Reforma trabalhista ou previdenciária?

Luiz Lyra Neto

A medida provisória n. 808 de 14/11/2017 incluiu na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) o artigo 911-A, §1º e §2º, o qual estabeleceu para os empregados que no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, a faculdade de recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal.

Entretanto, conforme prevê a medida provisória, na hipótese de não ser feito o recolhimento daquela diferença, a contribuição referente à remuneração auferida no mês não será considerada para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social, nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários (aposentadoria por idade, por tempo de contribuição, por invalidez, auxílio-doença, pensão por morte, etc).

De acordo com o Ato Declaratório Interpretativo n. 6 e o Ato Declaratório Executivo n. 38, ambos emitidos pela Receita Federal do Brasil (RFB), a contribuição previdenciária complementar prevista no artigo 911-A da CLT será calculada mediante aplicação da alíquota de 8% (oito por cento) sobre a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal.

Tais atos, ademais, determinam que o recolhimento da contribuição previdenciária complementar seja efetuado pelo próprio segurado até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da prestação do serviço, utilizando-se, para tanto, de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf), a ser preenchido com o código de receita 1872 (segurado empregado).

Note-se que o objetivo da MP n. 808 é afastar a qualidade de segurado obrigatório de milhares de empregados que possuem renda ínfima, vinculados ou não ao contrato intermitente, os quais têm direito a receber alguns dos benefícios previdenciários com valor nunca inferior ao do salário mínimo.

De fato, como recebem menos do que o salário mínimo, estes empregados não terão condição financeira de pagar a contribuição previdenciária complementar!

E, como se não bastassem tantas dificuldades impostas aos trabalhadores, a parte da contribuição já efetuada por estes será desconsiderada e, assim, apropriada pelo regime de previdência sem qualquer contrapartida.

Há de se ressaltar que se os empregados conseguirem dispor de parte do seu salário para pagá-la, o empregador não terá que recolher a sua cota-parte sobre a complementação, o que contradiz o argumento constante da exposição de motivos da MP n. 808, segundo o qual a nova exação visa manter o equilíbrio atuarial do custeio da Previdência Social.

O conjunto destas regras é ainda mais perverso quando se verifica que o pagamento da contribuição complementar não garante aos segurados a intangibilidade dos seus direitos, o que se explica pelo fato de que como se determinou o recolhimento daquele imposto por meio de Documento de Arredação de Receitas Federais (DARF) e não pela GFIP (Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social), as informações sobre o montante recolhido, tampouco sobre o empregado e o seu contrato de trabalho, não ingressarão nos seus registros junto ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).

Por esta razão, caso o empregado venha a necessitar de algum benefício ou serviço da Previdência Social terá o seu pedido negado pelo INSS, sob o argumento de que se perdeu qualidade de segurado, a menos que ele tenha consigo os aludidos DARF´S, único meio de prova de pagamento do tributo. Logo, se porventura estes documentos forem extraviados, haverá o risco de perda do direito aos benefícios e aos serviços do RGPS!

De outro lado, uma análise ampla deste cenário nos leva à conclusão de que a MP n. 808 é inconstitucional. Isso porque uma vez arrecadado o numerário da contribuição complementar por meio de DARF, este não será destinado ao custeio de benefícios concedidos pelo Regime Geral da Previdência Social (artigo 167, inciso I da Constituição Federal).

Portanto, a MP n. 808, além de nos dar um vislumbre da reforma previdência que o Governo Federal pretende aprovar ainda no corrente ano, fará com que milhares de trabalhadores que não têm assegurado o recebimento do salário mínimo e que não complementarem a contribuição previdenciária – porque não ostentam condições financeiras, não querem ou simplesmente desconhecem essa obrigação – sejam excluídos da proteção previdenciária.

Luiz Lyra Neto (Advogado especialista em Direito Previdenciário e professor universitário)

Publicado no Jornal Correio Popular em 05/02/2018.

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